O cérebro na dor: entendendo a neurociência para recuperar o corpo

Conhecimento que transforma a forma de lidar com a dor.

Quando sentimos dor, é natural pensar que ela nasce exatamente no ponto em que dói — como no joelho, nas costas ou no pescoço. Mas a ciência mostra que a realidade é muito mais complexa. A dor não é gerada apenas no corpo: ela é uma construção do cérebro, resultado da interpretação de sinais elétricos e químicos. Em outras palavras, não é o machucado em si que “dói”, mas sim a forma como o cérebro lê e reage àquele estímulo.

Essa visão é confirmada por estudos da neurociência moderna. Um artigo publicado no Journal of Pain mostrou que fatores como estresse, ansiedade e experiências anteriores podem aumentar a intensidade da dor percebida, mesmo sem alterações físicas significativas. Isso explica por que duas pessoas com a mesma lesão podem ter sensações tão diferentes: enquanto uma sente dor intensa, a outra pode quase não se incomodar. O cérebro, em cada caso, interpreta o sinal de maneira distinta.

Esse fenômeno é chamado de sensibilização central: o sistema nervoso fica mais “reativo”, disparando alarmes de dor mesmo quando não há ameaça real. É como se o alarme de incêndio de uma casa disparasse sempre que alguém acendesse uma vela. Pacientes com dores crônicas muitas vezes vivem exatamente isso — o cérebro passou a reagir de forma exagerada, mantendo a dor acesa mesmo após a cicatrização do tecido.

Um exemplo famoso é o do jogador de tênis Andy Murray, que sofreu com dores crônicas no quadril. Apesar de já ter passado por tratamentos e até cirurgia, ele relatava sentir dor mesmo em situações nas quais não havia lesão ativa. O motivo estava na forma como seu sistema nervoso processava os estímulos. Casos como esse reforçam a importância de olhar além da estrutura física e considerar a participação do cérebro.

No consultório, é comum ouvir pacientes dizerem: “Mas como posso sentir dor se meus exames estão normais?”. A resposta está justamente na neurociência: exames de imagem mostram estruturas, mas não mostram como o sistema nervoso interpreta os sinais. Um estudo australiano com mais de 1.200 pessoas revelou que 30% apresentavam alterações nos exames de ressonância magnética, como protrusões discais, mas nunca sentiram dor. Isso ilustra que a relação entre “achado de exame” e dor é muito menos direta do que se imagina.

A boa notícia é que, se o cérebro tem um papel ativo na criação da dor, ele também pode ser treinado para modulá-la. Educação em neurociência da dor, exercícios graduados, fisioterapia ativa e técnicas de respiração são formas de “reprogramar” esse alarme. Um caso marcante foi o de uma paciente com dor crônica no ombro: após meses evitando movimentos por medo, começou um programa progressivo de fortalecimento aliado a exercícios de mindfulness. Em três meses, não apenas reduziu a dor, como voltou a praticar natação — algo que julgava impossível.

Outro fator poderoso é a influência das emoções. Emoções positivas, como alegria e gratidão, podem ativar circuitos neurológicos que modulam a dor para baixo, reduzindo sua intensidade. Já estresse e ansiedade fazem o contrário. Por isso, estratégias integrativas — como práticas de mindfulness, exercícios físicos prazerosos e suporte psicológico — são tão eficazes quanto medicamentos em muitos contextos de dor persistente.

Entender a neurociência da dor empodera o paciente. Ele deixa de se sentir refém da dor e passa a compreender que, mesmo quando o desconforto é real, ele pode ser modulado e controlado. Mais do que uma explicação científica, esse conhecimento abre portas para um cuidado mais humano, que integra corpo e mente, ciência e empatia.

 

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